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Carta a H

Carta a H

Caro amigo,

Estou muito feliz que esteja vivendo a plenitude do evangelho. O fato de descobrir quão boa e agradável é a vontade de Deus para nossas vidas, segundo os ensinamentos de Jesus, é por si só uma grande dádiva. A Bíblia Sagrada está repleta de ensinamentos que, se fossem todos seguidos, estaríamos com certeza vivendo um mundo melhor. As verdades lá escritas retratam a forma mais puritana e honesta na qual podemos viver.

Seria maravilhoso ver todas as pessoas do mundo vivendo o Cristianismo na sua forma mais limpa de ser. Acredito que até mesmo outras religiões, se vividas de forma plena, fariam o mesmo efeito. Afinal, o amor ao próximo parece ser a essência de todas elas.

Você me contou que pretende reconstruir sua vida, que já deixou para trás toda a vida mundana que levava e que agora pretende conhecer uma garota que siga o mesmo credo, para então com ela caminhar juntos pelo resto da vida. Muito acertada essa decisão. A mulher servindo na mesma igreja entenderá completamente suas ideologias. Você me disse também que está entrando em acordo com sua ex-mulher para assumir a guarda de sua filha. Outra sábia decisão, a menina precisará da sua orientação para crescer saudável tanto no campo físico, quanto psicológico e espiritual.

Tome cuidado com uma coisa muito importante, meu amigo. Muitas pessoas não percebem, mas existe um grande preconceito em toda a sociedade contra homens como você, que já foram casados e, desse casamento frustrado, herdaram filhos. Ele age de forma silenciosa, não se manifesta como o preconceito racial que, em muitos casos, mostra-se evidente. O preconceito do qual me refiro age de uma forma discreta e está tão implícito na sociedade que nem mesmo quem o pratica consegue perceber.

Funciona assim: uma velhinha diz para a outra – Viu que a Maria está namorando? – Vi, mas o cara tem um filho… – Ai, filha minha não namora com cara que tem filho… Este preconceito está presente em todas as camadas sociais e em todos os grupos étnicos, mas existe um local onde ele se manifesta de forma muito mais acirrada. É muito comum na igrejas evangélicas nós ouvirmos as pessoas dizendo que “Deus tem reservado o melhor para você”. Quando se trata do campo afetivo, esse “o melhor” se refere a um garotão de 22 anos, mais bonito que o Thiago Lacerda, mais rico que o Antônio Ermírio de Moraes, mais poético que Machado de Assis, mais romântico que Tom Jobim, a capacidade intelectual da pessoa em questão se assemelha à de Einstein, fala 8 idiomas e é candidato ao prêmio Nobel da paz. Já ia esquecendo, ele nunca foi casado e ainda é virgem!

Exageros à parte, meu amigo, por conta desse “melhor”, você é o “pior”. Você deve estar pensando sobre todas as coisas erradas que fazia e que não faz mais, na mudança de vida que sua nova religião está lhe propiciando, mas não devia estar preparado para esse novo paradoxo. Ao contrário dos ensinamentos de Jesus, a religião do preconceito vai lhe mostrar que o seu caráter e conduta nada valem em face da imagem que você passa. Sabe aquele preconceito que eu estava falando anteriormente? Em sua nova religião você irá encontrá-lo de forma exponencial!

Agora a garota não tem mais que vencer apenas o preconceito dela, ela tem que ser forte suficiente para vencer a família e a igreja que a cerca. A frase que você mais irá ouvir na igreja, caso namore com uma garota que foi criada no evangelho e nunca foi casada será “ela merece coisa melhor”. Durante anos venho tentando analisar o que é esse ser mitologico chamado “coisa melhor”, mas até hoje ainda não cheguei a um consenso. Talvez seja o super homem citado anteriormente, mas também pode ser alguém que só existe no universo imaginário (assim como o super homem citado anteriormente). Você vai ouvir isso do pastor, das irmãs “de oração” (que raios será isso?), e aí você só terá uma chance de conseguir chegar ao altar… Se ela te amar o suficiente para vencer todos esses preconceitos e mais os fantasmas do imaginário feminino! Não vou dizer que é impossível, mas com certeza não é fácil.

Ela deve ser tão difícil de ser encontrada quanto aquela descrita no capítulo 33 do livro dos Provérbios. O universo de complexidades das idéias femininas extrapola muito o ponto simplesmente operacional e invade um campo doentio da área sentimental. Para uma mulher, o amor que um pai dedica ao filho está sendo tirado do amor que ele dedicaria a ela. Assim sendo, é normal que essa mulher veja o filho dele como um concorrente, como se fosse uma amante. A curta percepção sentimental da mulher não consegue ver diferença e ela passa a nutrir ódio pela criança.

Se você é mulher e não se enquadra no padrão aqui exposto, saiba que você está encaixada em uma pequeníssima parcela da população. E vou aproveitar para quebrar um mito: algumas pessoas que já obtiveram esta conclusão pensam que, caso a mulher tenha filho, elá será diferente. Ledo engano, mesmo esta mulher possui a dificuldade aqui exposta, 3 entrevistados me relataram isso.

Para a mulher evangélica, você tem o pior problema que um homem poderia ter no mundo. Ela pensa da seguinte forma: se você fosse alcoólatra, você poderia se converter e abandonar o vício. Se você batesse nela, Deus poderia mudar seu coração e você se tornar um homem manso. Se você traísse sua mulher, Deus poderia consertar sua vida. Mas sua filha, essa Deus não vai tirar de você! Ou seja, dentro das doenças que um candidato a marido pode ter, a sua é incurável.

A experiência me diz que será muito mais fácil você encontrar uma mulher fora da igreja que aceite a sua religião, do que encontrar uma na igreja que aceite a sua filha! Estou falando isso partindo do princípio que a filha não mora com você, porque em caso positivo, a possibilidade de encontrar sua cara-metade no ambiente eclesiástico multiplica-se por 10 elevado a um número negativo qualquer…

Você, que está novo na igreja, deve estar pensando sobre o Sermão do Monte, sobre os provérbios ou outras pérolas da Bíblia que, em síntese, falam contra o preconceito, sobre a tolerância e coisas desse tipo, portanto, ao se sentir vítima deste preconceito, não culpe a Bíblia, Jesus, Deus ou qualquer outra figura divina, eles estão inocentados nesse caso. A igreja moderna, formalmente falando, necessita passar a aparência de um local onde tudo está perfeito e as pessoas plenamente felizes. Não importa se estão felizes de verdade, o que importa é que passem essa imagem.

O assunto é tão sério que, aos poucos, me envergonho de carregar o título de evangélico. Tamanha é a sujeira que o cristianismo deveria ser pregado por uma outra religião que mantivesse os princípios bíblicos.

Meu amigo recém-chegado, a igreja é o melhor local para se viver o cristianismo, para isso siga o exemplo do Apóstolo Paulo de ouvir tudo e reter somente o que é bom. Não desanime nas primeiras discriminações que você sofrer e não se apegue ao evangelho das aparências. As mulheres que foram criadas na igreja carregam a marca de “santinhas” ou “purinhas” e você, que tem uma filha, não passa de um crápula sanguinolento que vai desvirtuar a mocinha do bom caminho. Esse conflito de aparências causará o dobro de conflitos na igreja caso você demonstre qualquer interesse por ela. Já as separadas ou que têm filhos, estão “aguardando no Senhor” o tal do “coisa melhor”. Cuide para que toda essa discriminação não o leve a odiar os irmãos, pois isso é severamente condenado na Escritura e tente levar sua vida o mais próximo possível dos passos de Jesus, ainda que para isso, você tenha que se distanciar de qualquer instituição denominada “Igreja Evangélica”.

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