Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu.
Martin Niemöller
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram.
Já não havia mais ninguém para reclamar.
Seu autor é o teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984). Ele teve uma trajetória curiosa. Chegou a flertar com o nazismo nos primeiros tempos. Quando já havia ficado claro quem era Hitler e o que queria, ainda ambicionou incutir-lhe um tanto de sensatez. Até que percebeu do que se tratava e migrou para a oposição aberta. Foi processado em 1938 e enviado para o campo de concentração de Dachau, onde permanece até o fim da guerra.
Niemöller ainda escreve uma outra versão do mesmo poema, ligeiramente mais direta ao assunto:
Quando os nazistas vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio; eu não era comunista.
Quando eles prenderam os socialdemocratas, eu fiquei em silêncio; eu não era um socialdemocrata.
Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu não disse nada; eu não era um sindicalista.
Quando eles buscaram os judeus, eu fiquei em silêncio; eu não era um judeu.
Quando eles me vieram buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar.
Ainda na mesma abordagem, o brasileiro Eduardo Alves da Costa escreve um poema com o nome “No caminho com Maiakóvski”, que contém o seguinte trecho muito famoso:
Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Quando aqueles que dizem defender a liberdade do povo, a democracia, o progresso lançam mão do recurso de impedir o discurso de seus opositores, está na hora de revermos nosso posicionamento em relação às suas verdadeiras intenções.
Quem me conhece já sabe que sou a favor da liberdade de imprensa, de internet, de comunicação em um todo. Por mais que eu seja contra e não goste do discurso do outro, tenho a plena convicção que ele deve ter seu direito garantido de se manifestar.
O cara diz que a Terra é plana? Vamos mostrar que seu entendimento de mundo está uns 500 anos atrasado. Ele diz que é anti-vacina? Vamos mostrar como algumas doenças gravíssimas foram erradicadas quase que mundialmente. Ele diz que odeia certos grupos étnicos ou sociais? Vamos mostrar a ele o valor da empatia e diversidade da sociedade. Ele montou um palanque na praça e está pregando uma religião contrária à minha? Então montemos um palanque em outro horário ou em local um pouco mais afastado e vamos falar da nossa religião. Mas de forma nenhuma sou a favor de calar, impedir o cara de falar.
E olha que nem estou dizendo isso naquela premissa de que “o próximo pode ser você”. Não, nem é isso. Ainda que você esteja longe do risco de ser o próximo, que você esteja no topo da pirâmide do status quo e que suas convicções coincidam com o discurso comum. A gente não deve calar o outro simplesmente porque isso é errado de qualquer ponto vista, seja ético, moral, social… Simplesmente está errado.
Vou parar por aqui, recomendando ferozmente a leitura desses dois textos. Um do Prof. Jober Rocha e outro do Reinaldo Azevedo. E olha que o Reinaldo Azevedo defende uma linha política contrária a linha que eu acredito ser a melhor para nosso país, mas dessa vez até ele se incomodou e achou que o cerceamento de liberdade passou dos limites.
conseguem colocar no papel, de forma precisa e realista, sentimentos e
percepções que lhes chamaram a atenção sobre determinadas situações vivenciadas
por toda a coletividade na qual se inserem.
Em tempo, traduzindo a figura que utilizei para ilustrar esse artigo:
Com o primeiro elo, A corrente é forjada.
A primeira fala censurada
O primeiro pensamento proibido
A primeira liberdade negada
Acorrenta a todos nós de forma irrevogável.
Juiz Aaron Satie, personagem de “Jornada nas Estrelas – A Nova Geração”, temporada 4 episódio 21 “The Drumhead”.