Ao longo dos meus mais de 30 anos trabalhando com marketing político vi muitas vezes pessoas se lançando à candidatura para o cargo de Vereador baseados na premissa de que essa seria uma eleição supostamente mais fácil.
A pessoa parte do princípio que a área de abrangência é menor, apenas sua cidade, o número de vagas é grande e que possui um nicho que certamente lhe garantirá a eleição. Esse nicho muitas vezes é a sua categoria profissional, a sua organização religiosa, a sua popularidade ou até mesmo o fato de ter algum importante veículo comunicação por trás de sua campanha. Tudo isso é, realmente, muito importante e caso você não possua um dos elementos citados nem deve perder o tempo e dinheiro de entrar em uma campanha eleitoral, porém a campanha para o cargo de Vereador possui sua dinâmica própria diferenciada.
Quem me lê deve saber que sou especialista em comunicação personalizada, ou seja, eu faço campanhas enviando cartas, e-mails, SMS e WhatsApp com conteúdo feito de modo a trazer ao leitor a experiência de que ele é único, propiciando assim maior empatia entre ele e o autor da campanha. Essa metodologia vem se mostrando eficaz ao longo dos anos, com vitórias sucessivas, mas a campanha para Vereador é um caso à parte.
Eu já vi muita gente boa, bem intencionada, entrando na corrida com premissas do tipo:
- Eu sou bombeiro, existem 13 mil bombeiros em nossa cidade. Se apenas os bombeiros votarem em mim já será o suficiente para me eleger.
- Eu sou membro de uma igreja muito grande, com 10 mil membros e o pastor já falou que irá me apoiar. Se a minha igreja votar em mim já é o suficiente para me eleger.
- Eu trabalho em um veículo de comunicação de grande porte. Não preciso me preocupar pois posso me garantir na popularidade que o veículo me propicia.
- Eu tenho muitos seguidores em minhas redes sociais, sou muito popular, a minha audiência é o suficiente para me eleger.
Antes de continuar quero mais uma vez salientar que esse pensamento não está errado. Estar incluído em alguma categoria que lhe dê grande visibilidade é o básico para ousar se candidatar a cargo eletivo, mas agora vamos ao ponto.
Vou usar como exemplo a cidade do Rio de Janeiro. Em 2020 foram registrados 1.788 candidatos para 51 vagas a Vereador, o que dá uma concorrência de 35 candidatos por vaga, que por si só já não é uma coisa fácil, porém essa grande quantidade de candidatos para um espaço geográfico não tão grande traz alguns dificultadores para a campanha.
A população do Rio de Janeiro é de 6,3 milhões de habitantes, dos quais 4,9 milhões são eleitores. Se os votos fossem divididos igualmente entre todos os candidatos teríamos, cada um dos 1.788 candidatos obtendo 2.740 votos. Mas vamos lembrar que muitas pessoas optam por não votar ou anular seu voto, seguindo esta linha, tivemos no pleito 2020, o total de 2,6 milhões de votos válidos, que se fossem igualmente divididos daria 1.454 votos para cada um dos 1.788 candidatos.
Mesmo utilizando o princípio da proporcionalidade, o candidato eleito com a menor votação teve 5.423 votos e, seguindo o mesmo princípio, houve candidato com 16.798 votos que não foi eleito. A imagem abaixo mostra bem essa situação. Na listagem temos os últimos colocados dentre os que foram eleitos, e os primeiros colocados dos que não obtiveram o mesmo sucesso.
Como se não bastasse a taxa de concorrência de 35 candidatos/vaga vamos agora ao aspecto geográfico. O Rio de Janeiro possui 163 bairros, o que corresponde a 11 candidados por bairro, ou seja, apenas no seu bairro o candidato tem 10 concorrentes em potencial e a campanha para Vereador normalmente é bem subregionalizada, onde o candidato luta por votos dentro de sua comunidade ou dentro de seu bairro. O candidato, em campanha, percorre sua região e, naquele momento, muitas pessoas dizem que irão apoiá-lo, porém essa mesma região ainda será prospectada por outros 10 candidatos.
Ainda no aspecto geográfico vamos lembrar que a cidade do Rio de Janeiro possui 1.255 km² de área, o que dá uma densidade demográfica de 1,4 candidatos por km². Sabendo-se que a área habitável corresponde a menos que metade da área total da cidade, temos uma densidade de 3 candidatos por km², ou seja, se você pegar uma bicicleta e andar 15 minutos, existe o potencial de cruzar com 3 candidatos.
Segundo o estudo realizado por Stanley Milgram em 1967, nos EUA, todas as pessoas estão a, no máximo, 6 níveis de relacionamento distantes de qualquer outra pessoa no planeta. Esse estudo é a base da engenharia social e as redes sociais, como conhecemos hoje, provam isso.
Com essa alta densidade de candidatos por metro quadrado começam a aparecer os compromissos por proximidade. Todas as pessoas conhecem pessoalmente algum candidato, ou até mesmo é parente de algum candidato, ou possuem vínculo com alguém que conhece ou é parente. Então pela obrigação familiar, de amizade ou até mesmo por interesses próprios esse voto já estará comprometido. Em uma eleição municipal o princípio de Milgram é facilmente perceptível.
Um outro número muito importante para termos em mente quando pensamos em uma eleição fechada em nichos sociais é que, no caso do Rio de Janeiro, nós temos um candidato a cada 1.454 eleitores. Pode não parecer mas uma igreja que possui 10 mil membros tem, dentre esses membros, 7 potenciais candidatos, ou em uma classe como os bombeiros, haveriam 9 candidatos disputando a vaga.
Até mesmo celebridades, pessoas que estão expostas na mídia ou possuem grande número de seguidores, estão sujeitas a todas as variáveis aqui descritas. A não ser que seu número de fãs seja realmente muito grande não se pode confiar apenas neste nicho porque, como já foi aqui explicado, os nichos ficam altamente dissolvidos no pleito para a Câmara Municipal.
Não quero com isso desanimar ninguém que sinta a vocação para assumir um cargo no legislativo mas quero alertar que a estratégia de campanha deve extrapolar seu nicho. Não confie apenas na sua congregação religiosa, na sua entidade de classe ou em alguma celebridade. A corrida para ocupar uma vaga na Câmara Municipal é bem mais complexa do que parece ser em um olhar superficial e, para provar isso e encerrar esta narrativa vou passar alguns dados do último pleito na cidade do Rio de Janeiro.
Quando foi eleito Prefeito da cidade no ano 2000, César Maia teve quase 2 milhões de votos. Aí você pensa que ele terá, pelo menos, algumas centenas de milhares em um pleito para Vereador, certo? Ele foi eleito Vereador em 2020 com 55 mil votos.
O saldo final de todos os números que mostrei acima é que em uma eleição para vereador, o candidato, por mais popular que seja, vai disputar o voto do eleitor com pessoas as quais esse eleitor possui até mesmo algum tipo de compromisso, baseado em relacionamentos de grande proximidade, como parentes, amigos, colegas de trabalho, pequenos grupos, dentre outros.
Por mais que possa parecer estranho, candidatos que vão ser impulsionados por grandes veículos de comunicação ou celebridades tem mais chance de obter sucesso em um pleito a nível estadual, onde os votos não sofrem tanto com o efeito de pulverização e a maior abrangência do seu suporte se torna um diferencial importante contra candidatos que irão trabalhar em nichos regionais.
Que este texto sirva também como mensagem de acalanto às pessoas ou suas equipes que investiram em uma campanha para a Câmara Municipal e não foram bem sucedidas. Muitos entram acreditando que, por conta do suporte que possuem, a vitória é garantida porém, conforme foi exposto aqui, esse tipo de campanha envolve fatores outros que não apenas a popularidade.