{"id":6170,"date":"2022-10-20T08:40:15","date_gmt":"2022-10-20T11:40:15","guid":{"rendered":"https:\/\/blog.lucianoreis.com\/?p=6170"},"modified":"2022-10-21T12:17:07","modified_gmt":"2022-10-21T15:17:07","slug":"nao-me-incomodei","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/blog.lucianoreis.com\/2022\/10\/20\/nao-me-incomodei\/","title":{"rendered":"N\u00e3o Me Incomodei"},"content":{"rendered":"\n

Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu.
Como n\u00e3o sou judeu, n\u00e3o me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista.
Como n\u00e3o sou comunista, n\u00e3o me incomodei.

No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho cat\u00f3lico.
Como n\u00e3o sou cat\u00f3lico, n\u00e3o me incomodei.

No quarto dia, vieram e me levaram.
J\u00e1 n\u00e3o havia mais ningu\u00e9m para reclamar.<\/p>Martin Niem\u00f6ller<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

Seu autor \u00e9 o te\u00f3logo protestante alem\u00e3o Martin Niem\u00f6ller (1892-1984). Ele teve uma trajet\u00f3ria curiosa. Chegou a flertar com o nazismo nos primeiros tempos. Quando j\u00e1 havia ficado claro quem era Hitler e o que queria, ainda ambicionou incutir-lhe um tanto de sensatez. At\u00e9 que percebeu do que se tratava e migrou para a oposi\u00e7\u00e3o aberta. Foi processado em 1938 e enviado para o campo de concentra\u00e7\u00e3o de Dachau, onde permanece at\u00e9 o fim da guerra.<\/p>\n\n\n\n

Niem\u00f6ller ainda escreve uma outra vers\u00e3o do mesmo poema, ligeiramente mais direta ao assunto:<\/p>\n\n\n\n

Quando os nazistas vieram buscar os comunistas, eu fiquei em sil\u00eancio; eu n\u00e3o era comunista.
Quando eles prenderam os socialdemocratas, eu fiquei em sil\u00eancio; eu n\u00e3o era um socialdemocrata.
Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu n\u00e3o disse nada; eu n\u00e3o era um sindicalista.
Quando eles buscaram os judeus, eu fiquei em sil\u00eancio; eu n\u00e3o era um judeu.
Quando eles me vieram buscar, j\u00e1 n\u00e3o havia ningu\u00e9m que pudesse protestar.<\/em><\/p>\n\n\n\n


Ainda na mesma abordagem, o brasileiro Eduardo Alves da Costa<\/strong> escreve um poema com o nome “No caminho com Maiak\u00f3vski”, que cont\u00e9m o seguinte trecho muito famoso:<\/p>\n\n\n\n

Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim.
E n\u00e3o dizemos nada.
Na segunda noite, j\u00e1 n\u00e3o se escondem: pisam as flores, matam nosso c\u00e3o.
E n\u00e3o dizemos nada.
At\u00e9 que um dia, o mais fr\u00e1gil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E j\u00e1 n\u00e3o podemos dizer nada.<\/em><\/p>\n\n\n\n


Quando aqueles que dizem defender a liberdade do povo, a democracia, o progresso lan\u00e7am m\u00e3o do recurso de impedir o discurso de seus opositores, est\u00e1 na hora de revermos nosso posicionamento em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s suas verdadeiras inten\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Quem me conhece j\u00e1 sabe que sou a favor da liberdade de imprensa, de internet, de comunica\u00e7\u00e3o em um todo. Por mais que eu seja contra e n\u00e3o goste do discurso do outro, tenho a plena convic\u00e7\u00e3o que ele deve ter seu direito garantido de se manifestar.<\/p>\n\n\n\n

O cara diz que a Terra \u00e9 plana? Vamos mostrar que seu entendimento de mundo est\u00e1 uns 500 anos atrasado. Ele diz que \u00e9 anti-vacina? Vamos mostrar como algumas doen\u00e7as grav\u00edssimas foram erradicadas quase que mundialmente. Ele diz que odeia certos grupos \u00e9tnicos ou sociais? Vamos mostrar a ele o valor da empatia e diversidade da sociedade. Ele montou um palanque na pra\u00e7a e est\u00e1 pregando uma religi\u00e3o contr\u00e1ria \u00e0 minha? Ent\u00e3o montemos um palanque em outro hor\u00e1rio ou em local um pouco mais afastado e vamos falar da nossa religi\u00e3o. Mas de forma nenhuma sou a favor de calar, impedir o cara de falar.<\/p>\n\n\n\n

E olha que nem estou dizendo isso naquela premissa de que “o pr\u00f3ximo pode ser voc\u00ea”. N\u00e3o, nem \u00e9 isso. Ainda que voc\u00ea esteja longe do risco de ser o pr\u00f3ximo, que voc\u00ea esteja no topo da pir\u00e2mide do status quo<\/em> e que suas convic\u00e7\u00f5es coincidam com o discurso comum. A gente n\u00e3o deve calar o outro simplesmente porque isso \u00e9 errado de qualquer ponto vista, seja \u00e9tico, moral, social… Simplesmente est\u00e1 errado.<\/p>\n\n\n\n

Vou parar por aqui, recomendando ferozmente a leitura desses dois textos. Um do Prof. Jober Rocha e outro do Reinaldo Azevedo. E olha que o Reinaldo Azevedo defende uma linha pol\u00edtica contr\u00e1ria a linha que eu acredito ser a melhor para nosso pa\u00eds, mas dessa vez at\u00e9 ele se incomodou e achou que o cerceamento de liberdade passou dos limites.<\/p>\n\n\n