{"id":4534,"date":"2020-10-02T15:16:44","date_gmt":"2020-10-02T18:16:44","guid":{"rendered":"https:\/\/blog.lucianoreis.com\/?p=4534"},"modified":"2020-10-03T15:26:51","modified_gmt":"2020-10-03T18:26:51","slug":"o-afeto-contra-a-falsa-militancia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/blog.lucianoreis.com\/2020\/10\/02\/o-afeto-contra-a-falsa-militancia\/","title":{"rendered":"O Afeto Contra a Falsa Milit\u00e2ncia"},"content":{"rendered":"\n

Texto do amigo M\u00e1rcio Brito Neto<\/a> mostrando a hipocrisia e preconceito existentes dentro de movimentos que supostamente deveriam lutar por um mundo mais justo e com mais amor:<\/p>\n\n\n\n


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Vamos falar s\u00e9rio sobre “palmitagem”?<\/p>\n\n\n\n

Bom, falarei do “lugar de fala”, que me foi “dado”, como homem negro, nascido em S\u00e3o Jo\u00e3o de Meriti, baixada-fluminense, criado no sub\u00farbio e no interior do Rio, estudante a vida toda de escola p\u00fablica; atualmente morador da zona oeste; filho de peixeiro, homem preto “retinto” e de dom\u00e9stica, mulher nordestina de pele branca; candomblecista, primeiro da fam\u00edlia em gera\u00e7\u00f5es de pai e m\u00e3e a ter o ensino superior. Sa\u00eddo de casa aos 16 anos, para trabalhar e sobreviver na selva que \u00e9 a sociedade brasileira. Meu privil\u00e9gio? Talvez a sorte de ter encontrado pessoas boas. Quais cores? Sexualidades? G\u00eaneros? Muitos. Dito isto. Vamos falar de palmitagem?<\/p>\n\n\n\n

“Palmitagem” \u00e9 o “conceito” “militudo”, travestido de milit\u00e2ncia, que caracteriza e enquadra (algo muito similar ao que fez o branco) homens e mulheres pret@s que se relacionam afetivamente com pessoas lidas como brancas. Partem de um princ\u00edpio bastante question\u00e1vel e equivocado sobre “afeto” (atentem que este \u00e9 o conceito central da minha tese de doutorado) e sobre os princ\u00edpios eugenistas, aqueles que as institui\u00e7\u00f5es e pessoas assumiram “ideologicamente” para clarear a popula\u00e7\u00e3o brasileira.<\/p>\n\n\n\n

Bom, em primeiro lugar como podem afirmar que o afeto \u00e9 uma constru\u00e7\u00e3o social? Sentimentos e emo\u00e7\u00f5es s\u00e3o, mas afeto \u00e9 algo inerente \u00e0 natureza humana (vide Espinosa e a filosofia bantu de Natureza e “for\u00e7a”). Logo, afeto \u00e9 o que Jung chamaria de puls\u00e3o e Freud chamaria de ID. Isso n\u00e3o tem controle.<\/p>\n\n\n\n

Quando dizem que os (as) palmiteir@s foram cooptados pela ideologia branca, ignoram que se nos relacionamos verdadeiramente com algu\u00e9m n\u00e3o h\u00e1 espa\u00e7o para repress\u00e3o (pelo sentimento), nem modula\u00e7\u00e3o (pelas emo\u00e7\u00f5es) do afeto. Nos envolvemos afetivamente, logo n\u00e3o tem controle. Uma coisa \u00e9 o ideal de beleza criado pela sociedade branca, que pode influenciar alguns, mas n\u00e3o se deve tornar isso regra, para analisar as rela\u00e7\u00f5es entre pessoas. Fosse assim, afeto controlado, nenhum homossexual assumiria sua sexualidade, pois seu afeto pelo mesmo g\u00eanero \u00e9 reprimido socialmente. Ou seja, a gente n\u00e3o escolhe, via de regra, por quem iremos nos envolver afetivamente.<\/p>\n\n\n\n

Partindo deste princ\u00edpio do afeto, n\u00f3s, pessoas pretas passamos a vida toda tendo que lidar com a repress\u00e3o e modula\u00e7\u00e3o dos nossos afetos, enquanto os brancos podem sair por a\u00ed exibindo suas afetividades, quando n\u00e3o s\u00e3o mulheres, nem homossexuais, nem trans. Isso \u00e9 privil\u00e9gio de branco, homem cis, heterossexual. Logo, a repress\u00e3o e modula\u00e7\u00e3o \u00e9 a arma deste grupo contra “minorias”, pois bem. Se esta \u00e9 a arma deles, qual a l\u00f3gica de us\u00e1-las contra n\u00f3s mesmos?<\/p>\n\n\n\n

Alguns militudos, pseudo-cientistas, “influencer’s” em busca de likes, danam a criticar qualquer coisa, transformando s\u00e9rios problemas sociais em simplifica\u00e7\u00f5es vazias de sentido; para popula\u00e7\u00e3o negra, reprimida e modulada a vida toda, isto \u00e9 muito mais perigoso. Dizer que negros e negras que casaram com brancos e tiveram filhos “mesti\u00e7os”, est\u00e3o corroborando com a l\u00f3gica eugenista \u00e9 t\u00e3o f\u00fatil que nem caberia resposta. Todavia sou um “palmiteiro”, com filhas, duas filhas “mesti\u00e7as” e essa briga \u00e9 minha tamb\u00e9m.<\/p>\n\n\n\n

Para al\u00e9m da minha biografia pessoal, \u00e0s minhas filhas passo princ\u00edpios que demovem a ideia de ra\u00e7a, que n\u00e3o encontra na biologia humana relev\u00e2ncia cient\u00edfica, mas socialmente causa um estrago nas rela\u00e7\u00f5es afetivas.<\/p>\n\n\n\n

Para al\u00e9m das quest\u00f5es socio-culturais que coincindiu em eu ter duas filhas com mulheres brancas, para al\u00e9m da rejei\u00e7\u00e3o das pr\u00f3prias meninas negras ao moleque negro “afeminado”, porque eu era artista e n\u00e3o sustentava os s\u00edmbolos de “masculinidade” que meninas negras esperavam dos meninos negros na minha \u00e9poca; para al\u00e9m da minha condi\u00e7\u00e3o socioecon\u00f4mica, que para as meninas negras da minha \u00e9poca era necess\u00e1rio, pois elas tamb\u00e9m cresceram na dificuldade e um bom casamento era introjetado na cabe\u00e7a delas. Enfim, para al\u00e9m dessas complexidades, h\u00e1 a perspectiva do afeto.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o \u00e9 criando paradigmas excludentes que se repara as injusti\u00e7as. T\u00e1 na hora dos militudos entenderem que milit\u00e2ncia vazia \u00e9 arma pro inimigo. Menos ego, mais raz\u00e3o e principalmente mais AFETO!<\/p>\n\n\n\n

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\"M\u00e1rcio<\/figure>\n<\/div>\n\n\n\n
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M\u00e1rcio Brito Neto \u00e9 produtor, roteirista e diretor na Muzenza – O Brado do Tempo, Filho de Nkosi e Ndanda Lunda, pai da Aurora e da Ayla. O resto \u00e9 constru\u00e7\u00e3o…<\/em><\/p>\n<\/div>\n<\/div>\n\n\n\n

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Ainda contra a falsa milit\u00e2ncia, por\u00e9m nesse caso o que eu chamaria de milit\u00e2ncia t\u00f3xica M\u00e1rcio foi cobrado pelo fato de haver predomin\u00e2ncia de pessoas “brancas” na produ\u00e7\u00e3o de um filme document\u00e1rio que ele est\u00e1 dirigindo. A resposta dele foi contundente e muito esclarecedora. Segue:<\/p>\n\n\n\n


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Fui questionado sobre o porqu\u00ea a ficha t\u00e9cnica do meu filme tem brancos e porqu\u00ea a produtora do meu filme \u00e9 uma “produtora branca”. Existem alguns fatores a\u00ed, mas posso destacar dois: primeiro que formei minha equipe quando n\u00e3o tinha recurso nenhum pra executar meu primeiro longa, quem topou a ideia do filme e abra\u00e7ou o projeto? Sim, essas pessoas brancas.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o foi falta de convite \u00e0s pessoas pretas. Assim como no primeiro filme a mesma coisa se repetiu. Apresentei o projeto, mas cagaram ou me cobraram valores que n\u00e3o tenho como pagar.<\/p>\n\n\n\n

Somado a isso, estou h\u00e1 um ano no doutorado e a minha decep\u00e7\u00e3o at\u00e9 aqui foram com 6 pessoas negras. Isso mesmo SEIS. Um doutor que ao me fazer um convite pra tapar buraco num evento n\u00e3o exitou em ficar horas falando comigo, fiz um pedido recente fui ignorado com f\u00e9. Quem atendeu meu chamado? Pessoas brancas e um negro, felizmente genial.<\/p>\n\n\n\n

Convidei outra doutora negra, no primeiro momento n\u00e3o fui ignorado, por\u00e9m no segundo momento, atrapalhando o planejamento de um projeto importante, pois n\u00e3o cumpriu o acordado.<\/p>\n\n\n\n

Os outros dois, um fez a pergunta primeira, que gerou esse texto, ao ser respondido, tamb\u00e9m ignorou. A outra uma brilhante profissional negra que convidei, ficou de me passar valores para assumir meu projeto, bom, aguardo at\u00e9 hoje. Minha pesquisa \u00e9 sobre o cinema negro, ja pedi gentilmente listas de um determinado festival, isso h\u00e1 um ano, para dois negros diferentes, fui ignorado? N\u00e3o tenha d\u00favidas disso.<\/p>\n\n\n\n

Por que na minha equipe s\u00f3 tem branco? Foi por escolha minha? Num campo de disputas nem todos os agentes somam, tem uma grande parte que se sente amea\u00e7ado pela presen\u00e7a de outros. Um dia trabalharei com pessoas majoritariamente negras, qual dia? Quando me respeitarem como as respeito. Era s\u00f3 isso mesmo. Bom dia!<\/p>\n\n\n\n


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E, para encerrar, quero deixar claro que acho importante a exist\u00eancia dos movimentos que defendem o direito das pessoas de ra\u00e7a negra, que realmente sofrem com o preconceito institucional existente em nossa sociedade. E se voc\u00ea discorda do que acabei de dizer, assista a esse v\u00eddeo curto, apenas dois minutos:<\/p>\n\n\n\n

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Veja Tamb\u00e9m<\/h2>\n\n\n