{"id":4031,"date":"2020-06-01T04:40:31","date_gmt":"2020-06-01T07:40:31","guid":{"rendered":"https:\/\/blog.lucianoreis.com\/?p=4031"},"modified":"2020-06-01T13:56:05","modified_gmt":"2020-06-01T16:56:05","slug":"corre-para-nao-perder-o-foguete","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/blog.lucianoreis.com\/2020\/06\/01\/corre-para-nao-perder-o-foguete\/","title":{"rendered":"Corra Para N\u00e3o Perder o Foguete!"},"content":{"rendered":"\n

Como todos sabem sou um aficionado por explora\u00e7\u00e3o espacial e, como n\u00e3o poderia deixar de ser, j\u00e1 fiz viagens com o prop\u00f3sito de ver lan\u00e7amentos de foguetes. Duas para ser mais preciso.<\/p>\n\n\n\n

Quando tudo d\u00e1 certo \u00e9 muito bom, mas as melhores hist\u00f3rias nascem quando algo imprevisto ocorre em sua viagem. E agora eu vou contar algo muito engra\u00e7ado que aconteceu comigo!<\/p>\n\n\n\n

Entre outubro e novembro de 2013 fiz uma viagem de 20 dias pela Calif\u00f3rnia na qual percorri 5 mil quil\u00f4metros de San Francisco a San Diego indo tamb\u00e9m aos estados de Nevada e Colorado para visitar Las Vegas e o Grand Canion mas isso fica para outra hist\u00f3ria. O que interessa agora \u00e9 que ao final dessa viagem fui direto para a Fl\u00f3rida para ent\u00e3o fazer um percurso que iria de Miami a Orlando e ent\u00e3o para o Cabo Canaveral para assistir ao lan\u00e7amento do foguete Atlas V<\/a> da ULA (United Launch Al<\/em><\/a>l<\/em><\/a>iance<\/em>)<\/a> que colocaria o MAVEN (Mars Atmosphere and Volatile Evolution<\/em>)<\/a> em sua trajet\u00f3ria para Marte.<\/p>\n\n\n\n

No dia do lan\u00e7amento est\u00e1vamos em Orlando. A ideia era acordar calmamente, fazer uma parada para o lanche e ent\u00e3o fazer a viagem de aproximadamente uma hora para o Kennedy Space Center, na Merritt Island. Havia tempo em abund\u00e2ncia para isso pois o lan\u00e7amento estava agendado para o in\u00edco da tarde. <\/p>\n\n\n\n

Acordei com o telefone tocando. Era da R\u00e1dio Melodia. Eles estavam com algum problema s\u00e9rio em um de seus servidores de rede e fui acionado para resolver. At\u00e9 a\u00ed nada demais, algo comum em meu cotidiano. Ainda deitado coloquei o computador sobre a barriga e comecei a trabalhar na solu\u00e7\u00e3o do problema e descobri que era bem mais dif\u00edcil do que eu pensava.<\/p>\n\n\n\n

Enquanto ainda pensava em como solucionar o primeiro caso, toca o telefone novamente. Outro cliente com outra emerg\u00eancia. Agora eram duas emerg\u00eancias em andamento. A situa\u00e7\u00e3o come\u00e7ou a ficar tensa quando vi que ambos os problemas eram demasiado complexos e que, apesar de haver tempo abundante para fazer a viagem eu precisava correr.<\/p>\n\n\n\n

Demorou, mas o segundo problema foi solucionado enquanto eu ainda n\u00e3o tinha ideia de como resolver o primeiro problema e a tens\u00e3o aumentou quando a Kelly me informou que j\u00e1 estava quase na hora limite de check out no hotel. Enquanto ela se preocupava com o hor\u00e1rio de check out minha tens\u00e3o aumentava porque isso significava que j\u00e1 estava muito pr\u00f3ximo ao hor\u00e1rio limite para eu sair.<\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 quase em desespero com o limite de hor\u00e1rio fiz o seguinte: abri o meu telefone com o Google Maps calculando a rota mais r\u00e1pida para o Kennedy Space Center, com a estimativa de tempo, e abri o telefone da Kelly no site da NASA, com a contagem regressiva para o lan\u00e7amento. Coloquei um telefone ao lado do outro e fiquei trabalhando de olho nos dois telefones!<\/p>\n\n\n\n

Lembro como se fosse hoje quando um telefone marcava 1h30 para o lan\u00e7amento e o outro marcava 1h10 de viagem! Em um momento de desespero consegui encerrar o primeiro atendimento.<\/p>\n\n\n\n

Pronto. Atendimentos encerrados, pula da cama, termina de acordar, veste a roupa, enfia as malas correndo no carro e parte em disparada para a estrada sem parar para lanchar. At\u00e9 entrarmos no carro os dois cron\u00f4metros j\u00e1 estavam praticamente empatados.<\/p>\n\n\n\n

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O camiho de Orlando para o KSC \u00e9 quase uma linha reta<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Apesar de o tempo estar muito apertado eu j\u00e1 estava acostumado com o caminho. \u00c9 praticamente uma linha reta pela estrada 528 no sentido E (Leste). Eu j\u00e1 estava planejando ir acima da velocidade m\u00e1xima permitida na via para ter um pouco de folga. E deu certo. O cron\u00f4metro come\u00e7ou a mostrar que eu chegaria l\u00e1 com certa folga. Nesse momento minha \u00fanica preocupa\u00e7\u00e3o era que n\u00e3o tivesse pol\u00edcia na estrada at\u00e9 que… Um alarme no painel do carro!<\/p>\n\n\n\n

No dia anterior terminamos nossas atividades em hor\u00e1rio muito tardio, j\u00e1 est\u00e1vamos cansados e eu queria ir logo para o hotel. Apesar de o tanque de combust\u00edvel do carro j\u00e1 estar bem vazio deixei para abastecer no dia seguinte.<\/p>\n\n\n\n

A verdade \u00e9 que s\u00f3 lembrei que precisava abastecer quando j\u00e1 estava na rodovia 528, no meio do nada, nenhum posto pr\u00f3ximo, nenhuma serice plaza. Peguei um dos telefones e pedi para mostrar o posto mais pr\u00f3ximo e, adivinha… Nenhum posto no caminho. Eu teria que sair em alguma cidade! No ponto que eu estava, o posto mais vi\u00e1vel ficava em um local chamado Wedgefield, e para chegar l\u00e1 eu teria que entrar na estrada 520 que, para meu desespero \u00e9 no sentido oposto ao meu objetivo.<\/p>\n\n\n\n

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Desvio em Wedgefield<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Ent\u00e3o agora era uma uni\u00e3o de fatores. N\u00e3o podia correr muito para n\u00e3o gastar combust\u00edvel rapidamente, n\u00e3o podia ir muito devagar para n\u00e3o perder o hor\u00e1rio e ainda teria que pegar uma sa\u00edda na estrada que me levaria a um caminho bem mais longo.<\/p>\n\n\n\n

Nesse clima de desespero entrei na 520 sentido NW (noroeste) e andei muito at\u00e9 achar um posto Citgo. Sa\u00ed do carro j\u00e1 correndo, coloquei o cart\u00e3o na bomba e mais uma surpresa: n\u00e3o sei se estava com defeito mas n\u00e3o estava reconhecendo meu cart\u00e3o do banco.<\/p>\n\n\n\n

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Fui correndo para a lojinha, estava no caixa um senhor de idade avan\u00e7ada atendendo outro da mesma faixa et\u00e1ria. De forma muito lenta ele estava terminando o atendimento. Quando a pessoa se mexeu eu j\u00e1 foi falando “50 on pump 3” (50 na bomba 3). Ao que ele respondeu bem lentamente “sorry?” (utilizado para dizer que voc\u00ea n\u00e3o entendeu o que a pessoa falou, para ela repetir). “50 on pump number 3!” (j\u00e1 falando desesperadamente). Ent\u00e3o ele levou quase um minuto para me responder “do you want do prepay 50 dollars on pump number 3?” (voc\u00ea deseja deixar pr\u00e9-pago 50 d\u00f3lares na bomba 3?). Eu respondi j\u00e1 quase gritando “yes!”. Ele gastou mais uns 3 minutos para passar meu cart\u00e3o de cr\u00e9dito e me devolver, mas antes de devolver ele disse bem lentamente algo do tipo “ok, you’re free to go” (tudo bem, voc\u00ea est\u00e1 liberado).<\/p>\n\n\n\n

Peguei o cart\u00e3o, corri l\u00e1 para a bomba, abasteci o carro em velocidade m\u00e1xima, fui correndo novamente l\u00e1 para o caixa para fazer o fechamento, havia outra pessoa na minha frente e o velho senhor bem lentamente terminava de atend\u00ea-lo. A pessoa mal saiu da minha frente e eu j\u00e1 desesperado:
– Finished pump number 3 (terminei na bomba 3).
– Sorry? (Hein?)
– Pump number 3, i have finished! (j\u00e1 terminei na bomba 3).
– Ok, how can I help you? (tudo bem o que eu posso fazer por voc\u00ea?)
– I have prepaid 50, pass my card again to return me the difference (eu deixei pr\u00e9-pago 50, passe meu cart\u00e3o novamente para me devolver a diferen\u00e7a).
– Ok, give me your card (tudo bem, d\u00ea-me seu cart\u00e3o).
E ali foram mais uns 3 minutos at\u00e9 ele passar meu cart\u00e3o novamente!<\/p>\n\n\n\n

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Sa\u00ed da lojinha correndo para o carro, entrei, liguei, comecei a andar, olho para o lado e… Cad\u00ea a Kelly?!!!! Quando eu estava quase come\u00e7ando a chorar de desespero vem ela correndo l\u00e1 do banheiro.<\/p>\n\n\n\n

Sa\u00ed quase cantando pneu do posto, voltei para a 520, como eu j\u00e1 havia andado muito para o norte, para n\u00e3o ter que voltar tudo at\u00e9 a 528, olhei no mapa, continuei para o norte e entrei na E Colonial Dr. L\u00f3gico que a essa altura os tempos se inverteram. O cron\u00f4metro regressivo da NASA j\u00e1 estava uns 10 minutos \u00e0 frente do meu.<\/p>\n\n\n\n

Para mim, nesse ponto, j\u00e1 era o “tudo ou nada”. Ignorei os limites e velocidade e fui voando por aquelas estradas. O jogo agora seria: vou ser parado pela pol\u00edcia ou n\u00e3o. Se for parado, perdi o jogo, n\u00e3o tem mais o que tentar. Por\u00e9m neste momento tive sorte consegui chegar at\u00e9 a NASA Causeway, uma ponte que liga o continente \u00e0 Merritt Island. Nesse ponto j\u00e1 podemos considerar a vit\u00f3ria, tamb\u00e9m consegui compensar o tempo e agora eu estava com cr\u00e9dito de uns 3 minutos. Tudo ia bem at\u00e9 que… (voc\u00ea n\u00e3o achou que seria f\u00e1cil desse jeito, n\u00e9?).<\/p>\n\n\n\n

A ponte m\u00f3vel estava aberta. Que agonia! Todos os carros parados e eu vendo aquela ponte levantada l\u00e1 na frente. Pensei (e falei) “Essa n\u00e3o! O dia tem 24 horas e esse barco resolve passar logo agora!!!”.<\/p>\n\n\n\n

Para minha sorte n\u00e3o era um barco passando mas sim uma manuten\u00e7\u00e3o preventiva na ponte. Rapidamente a pista do lado oposto foi aberta em m\u00e3o dupla e o tr\u00e1fego foi desviado para l\u00e1.<\/p>\n\n\n\n

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Como havia uma longa fila de carros tive que ir andando vagarosamente atr\u00e1s do tr\u00e2nsito. Passamos pelo ponte, voltamos para a pista correta, tr\u00e2nsito come\u00e7ou a fluir, quando pensei em dar uma arrancada, estranhamente todos os carros \u00e0 minha frente foram para o gramado e pararam. Eu n\u00e3o entendi nada. O que est\u00e1 acontecendo? Por que todo mundo parou?<\/p>\n\n\n\n

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E a Kelly grita “olha l\u00e1!!!” apontando para o alto. Era ele! O Atlas V subindo majestoso ao c\u00e9u. Estacionei rapidamente. Nem pensei em pegar a c\u00e2mera porque n\u00e3o daria tempo. Aquele momento era para contemplar o lindo ve\u00edculo subindo ao c\u00e9u com sua cauda luminosa. Ficamos ali, do lado de fora do carro parados, apreciando aquele espet\u00e1culo totalmente silencioso. Nenhum som se ouvia, nem da estrada visto que todos os carros estavam parados. O foguete subiu e sumiu entre as nuvens e ent\u00e3o, subitamente, vem aquele som t\u00e3o forte que dava para sentir a vibra\u00e7\u00e3o no corpo.<\/p>\n\n\n\n

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